Um Advogado Percebe que o Caso Mais Difícil é o Próprio Cliente


por Peter Faber
publicado: novembro 27, 2025
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Roberto Ferreira sempre achou que sua bancada de madeira pesada dava segurança para quem sentava diante dele. O escritório era pequeno, duas funcionárias, uma cafeteira barulhenta, pilhas de processos esperando atenção. Ele não reclamava. O problema nunca foi a quantidade de pessoas entrando pela porta. Era o que acontecia depois.

Quase todo dia alguém chegava por indicação. Gente com histórias reais, dores sérias, pressa. Ele atendia, explicava a situação jurídica, mostrava caminhos, entregava aquele discurso técnico que aprendeu a repetir no automático. E ouvia sempre a mesma frase, dita com um sorriso educado: “vamos pensar e te retornamos”.

Ninguém retornava.

No começo ele culpou o bairro. Depois achou que era o momento econômico. Depois pensou nos concorrentes. Só muito depois percebeu que todas essas hipóteses tinham uma coisa em comum: mantinham o problema fora dele.
A ficha caiu numa terça-feira silenciosa, quando ficou sozinho na sala após mais uma reunião perdida. Ele percebeu que as pessoas saíam entendendo a lei, mas não sentindo confiança. Era como se conversassem com um bom técnico, não com alguém que realmente entendeu a dor delas.

Roberto não queria mais um curso de vendas.
Já tinha feito dois e saiu pior de ambos.
Falavam de gatilhos, funis, scripts.
Nada combinava com o jeito dele.

O cansaço virou uma espécie de rendição. Só que a vida, às vezes, coloca gente no caminho que desmonta explicações velhas.

Ele conheceu Júlia Moretti por acaso. Psicóloga de formação, consultora de comportamento aplicada ao marketing. Falava pouco. Observava muito. Em uma conversa curta, ela disse algo simples, que ficou ecoando nele por dias:
“Quando uma pessoa descreve o problema, ela nunca está dizendo só o que diz. Escute a intenção, não as frases.”

Júlia explicou que ninguém procura um advogado para ouvir um mini-curso de legislação. Procuram alguém que entenda o que está por trás da narrativa: medo, perda de controle, injustiça, insegurança, urgência.

“Se você responde ao texto e não ao subtexto”, ela disse, “eles vão te achar correto, mas não essencial.”

Ele voltou para o escritório com essa ideia batendo forte. Decidiu testar no atendimento seguinte. Em vez de interromper para explicar pontos jurídicos, deixou a cliente terminar. Reparou no ritmo da fala, na hesitação no meio da frase, no olhar que buscava estabilidade. A resposta dele não foi uma explicação. Foi algo bem mais direto:

“Pelo que você descreveu, parece que você está com receio de perder o controle disso tudo. Faz sentido?”
Os olhos dela pararam de vagar pela sala. Fixaram nele.
“Exatamente.”

Roberto percebeu, pela primeira vez, que a pessoa não estava avaliando a sala. Estava avaliando se ele a tinha entendido. E, quando entendeu, a conversa mudou de temperatura. A cliente fechou o contrato ali mesmo.

Isso se repetiu. Em poucos meses, o escritório começou a crescer de forma previsível. Não por milagre. Por sintonia.

Dois anos depois, Roberto girou a cadeira e olhou pela janela enorme atrás da mesa nova. Quinze andares acima da rua, trânsito passando lá embaixo como um rio barulhento. Era outro escritório. Outra vida.
Sorriu ao lembrar das conversas com Júlia e pensou, quase rindo da simplicidade:

“Interpretar a intenção é mais difícil que interpretar a lei. Mas, quando você entende, tudo flui.”


Entendimento antes da técnica

A razão pela qual funcionou é direta. Pessoas não contratam só competência. Competência é o ponto de partida. O que define a escolha é reconhecimento. Quando alguém sente que você entendeu o que ela realmente teme, deseja ou tenta evitar, a mente abre espaço para confiança.

Responder ao subtexto

Roberto deixou de responder ao conteúdo literal e começou a responder à necessidade implícita. Esse gesto muda o comportamento do interlocutor: o olhar fixa no rosto, o corpo relaxa, a conversa ganha continuidade. O cliente não está mais avaliando preço. Está avaliando conexão.

Como identificar intenção

Perceber intenção exige duas coisas. Primeiro, atenção ao ritmo emocional da narrativa: onde a voz caiu, onde acelerou, onde o silêncio se alongou. Segundo, coragem para testar uma leitura: “parece que você está com receio de…”. Quase sempre, a pessoa confirma. E a interação muda de eixo.

Não é técnica de venda. É cognição básica: humanos respondem mais ao que é reconhecido do que ao que é explicado. Roberto só ajustou a lente. E isso transformou tudo.